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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Amor e Medo



    Quando eu te vejo e me desvio cauto 
    Da luz de fogo que te cerca, ó bela, 
    Contigo dizes, suspirando amores: 
    — "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"


    Como te enganas! meu amor, é chama 
    Que se alimenta no voraz segredo, 
    E se te fujo é que te adoro louco... 
    És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...


    Tenho medo de mim, de ti, de tudo, 
    Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes. 
    Das folhas secas, do chorar das fontes, 
    Das horas longas a correr velozes.


    O véu da noite me atormenta em dores 
    A luz da aurora me enternece os seios, 
    E ao vento fresco do cair das tardes, 
    Eu me estremece de cruéis receios.


    É que esse vento que na várzea — ao longe, 
    Do colmo o fumo caprichoso ondeia, 
    Soprando um dia tornaria incêndio 
    A chama viva que teu riso ateia!


    Ai! se abrasado crepitasse o cedro, 
    Cedendo ao raio que a tormenta envia: 
    Diz: — que seria da plantinha humilde, 
    Que à sombra dela tão feliz crescia?


    A labareda que se enrosca ao tronco 
    Torrara a planta qual queimara o galho 
    E a pobre nunca reviver pudera. 
    Chovesse embora paternal orvalho!


    Ai! se te visse no calor da sesta, 
    A mão tremente no calor das tuas, 
    Amarrotado o teu vestido branco, 
    Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...


    Ai! se eu te visse, Madalena pura, 
    Sobre o veludo reclinada a meio, 
    Olhos cerrados na volúpia doce, 
    Os braços frouxos — palpitante o seio!...


    Ai! se eu te visse em languidez sublime, 
    Na face as rosas virginais do pejo, 
    Trêmula a fala, a protestar baixinho... 
    Vermelha a boca, soluçando um beijo!...


    Diz: — que seria da pureza de anjo, 
    Das vestes alvas, do candor das asas? 
    Tu te queimaras, a pisar descalça, 
    Criança louca — sobre um chão de brasas!


    No fogo vivo eu me abrasara inteiro! 
    Ébrio e sedento na fugaz vertigem, 
    Vil, machucara com meu dedo impuro 
    As pobres flores da grinalda virgem!


    Vampiro infame, eu sorveria em beijos 
    Toda a inocência que teu lábio encerra, 
    E tu serias no lascivo abraço, 
    Anjo enlodado nos pauis da terra.


    Depois... desperta no febril delírio, 
    — Olhos pisados — como um vão lamento, 
    Tu perguntaras: que é da minha coroa?... 
    Eu te diria: desfolhou-a o vento!...


    Oh! não me chames coração de gelo! 
    Bem vês: traí-me no fatal segredo. 
    Se de ti fujo é que te adoro e muito! 
    És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...



    Autoria: Casimiro de Abreu

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